A localização do quarto não permitia os cochilos irregulares fora de horário, após o sono mais longo. Ao lado da escadaria de madeira, eram frequentes as levas de pés barulhentos descendo e subindo os degraus. O elevador praticamente na frente da saída também era fonte de agitação. Estava tentando retardar a ida para a rua desde 8:00 h, porém, após 9:30 h, não dava mais para ficar na cama. Na caminhada do dia pretendia explorar o lado mais distante do centro. O destino inicial era o Bois de Boulogne, grande bosque nos limites da cidade, numa curva do Rio Sena. A visão apertada que podia descortinar pela janela permitia antever uma manhã relativamente ensolarada, favorável a passeios a pé. Poderia dizer que deixei o hotel com as dez badaladas, se houvessem sinos pela redondeza. Estava mais nublado e gelado do que havia imaginado. Cheguei a pensar em voltar para pegar o casaco, mas confiei no poder do sol. Com a intenção de percorrer lugares inusitados, peguei a avenida sem graça do hotel até uma igreja protestante. Virei no sentido do parque e segui por alguns quilômetros até o rio. Notei que a réplica da Estátua da Liberdade na Ilha dos Cisnes estava próxima e decidi fazer o primeiro desvio. Apesar de um passeio não muito tradicional, o percurso pela língua da terra no meio do rio de ponta a ponta foi uma boa novidade. Na outra extremidade havia um monumento à brigada de forças francesas na Segunda Guerra. Subi as escadarias para entrar na Ponte Bir-Hakeim pelo Passeio Jean-Paul Belmondo, identificado na placa como comediante, e voltar pela margem direita para retomar o roteiro original. Um aspecto bastante inesperado da visita surgiu a partir da consulta a um mapa de rua. Observei uma indicação da Casa Balzac, de que não tinha notícia. Atravessei o barulhento e animado Parc de Passy e me surpreendi com o fato de a entrada do museu ser gratuita. A recepção na rua de cima permitia o acesso ao jardim do piso inferior, assim como da moradia que o escritor alugou anonimamente por sete anos, entre 1840 e 1847. De acordo com as explicações foi neste ambiente sossegado que ele teve a tranquilidade necessária, escapando dos credores, para articular sua obra monumental. A casa de poucos cômodos reunia objetos e manuscritos, caricaturas, modelos e moldes de madeira das ilustrações das obras, e incluía uma porta secreta para fuga. Chamou a atenção a vasta genealogia da relação entre os mais de 2.500 personagens, que saiam de um romance para entrar como figura secundária em algum outro trecho da coleção. Após este inesperado passeio, segui finalmente para o bosque. Ele era gigantesco, com um lago enorme dividido entre a parte superior e a inferior, com direito a uma pequena cachoeira entre as duas. Eram muitas trilhas e acho que seria fácil se perder sem a ajuda do mapa eletrônico. Alguns setores eram bastante ermos e isolados, o que causou certa insegurança no início. Com o passar dos minutos fui identificando visitantes passeando tranquilamente, mesmo desacompanhados. O tradicional jogo de bocha dos velhos era praticado em inúmeros campos e envolvia muitos participantes. Achei esquisito quase não ouvir o som de pássaros no meio de tanta vegetação e árvores enormes. Não sei por qual motivo meti na cabeça em viagens anteriores, já que não sou exatamente fã do esporte, que tinha que ver o Estádio de Roland-Garros, nem que fosse numa rápida passagem. Chegou a oportunidade e foi, realmente, apenas um passagem. Não tem nada para ver por fora. Todo cercado com altas grades era possível somente ter uma efêmera visão das estruturas maiores. Pelo menos o saibro da Quadra n° 10 estava bem visível. Atravessei a estrada novamente para completar o percurso pelo parque que, em linha reta, mede uns quatro quilômetros de uma extremidade a outra. O retorno para o centro teve início no canto mais perto do Arco do Triunfo. Como os demais locais que vão abrigar eventos esportivos, o monumento também estava cercado por muitas grades, porém aberto aos visitantes. Parece que uma regra observada pelos organizadores era de obstruir o menos possível a vida do turista normal. Todas as visitas tradicionais eram praticáveis, excetuando a Catedral, por motivos alheios à vontade dos governantes. Passei por algumas avenidas famosas do traçado executado pelo prefeito Haussmann a pedido de Napoleão III para tornar a cidade mais ampla, uniforme, arejada e agradável. Dentre outros pontos, o trajeto permitiu observar a Estação de trens Saint-Lazare, a Igreja Madeleine, cujo interior pude rever após muitos anos e o Teatro da Ópera, enjaulado pelos tapumes. A última parada planejada seria na livraria do Museu da Idade Média que, talvez felizmente, estava fechada desde as 17:30 h.