Refeito de dois dias de viagem transcontinental consegui acordar às 6:30 h para o café da manhã, que começaria dali a meia-hora. A internet continuava muito ruim, mas deu para apagar as mensagens indesejadas e ler algumas manchetes. Ao descer, o refeitório já estava aberto e apenas uma japonesa se servia na minha frente. Não valeu a pena ter esperado e teria sido melhor pegar o trem uma hora mais cedo. Em cinco minutos havia comido duas fatias de pão com queijo acompanhado de um suco adocicado de laranja e às 7:15 h estava comprando o bilhete de ida e volta para Korinthos (leia Córintos) na estação quase vizinha do hotel. Fui correndo para a plataforma, não pelo horário, já que ainda tinha 45 minutos de espera, mas para me aquecer ao sol que começava a surgir e iluminava aquela parte do terminal. Precisei ficar virando de lado porque o braço da sombra sempre ficava congelado. Atualmente Korinthos fica à beira-mar contudo, na antiguidade, a cidade ficava no interior e ainda mais para dentro e para cima estava localizada a acrópole. Ao chegar à estação moderna às 9:10 h, que fica longe de tudo, consultei o mapa eletrônico para definir o caminho que seguiria para chegar, inicialmente, à cidade antiga. Estimava gastar uma hora com a caminhada inicial. Mais uma vez perdi a oportunidade de fotografar o Canal de Corinto de dentro do trem. Estava com tudo preparado mas o trecho é tão curto que o lapso entre apertar o botão e clicar foi fatal. Logo de saída passei por um pomar com milhares de cachorros que ficaram enlouquecidos com a minha aparição. Felizmente as cercas eram bem altas. Como o percurso seria longo e tedioso fui registrando as impressões enquanto andava pela estradinha que, apesar de ser pavimentada, parecia ser rota de todo tipo de animal. Devo ter pisado em muitos vestígios mesmo tentando manter os olhos na tela e no chão ao mesmo tempo. Cheguei na cidade antiga às 10:15 h, obedecendo a avaliação inicial. Optei por continuar a subida para a cidade alta e deixar o sítio arqueológico para a volta. Depois de 45 minutos para vencer os quatro quilômetros e subir até os 410 metros de altitude cheguei ao estacionamento. Após recobrar o fôlego segui para a entrada da fortaleza que domina o topo da montanha e oferece visão panorâmica e estratégica de todo o Golfo de Corinto e do interior. A entrada ficava no ponto mais vulnerável, sem a proteção das vertiginosas escarpas dos demais lados da pedra enorme. Dessa forma foram construídas três muralhas defensivas, cada uma mais interna em relação à anterior, atravessadas por grandes portas fortificadas por torres e altos muros. O interior da fortaleza era imenso e me restringi a conhecer apenas uma pequena parte das muralhas e pátios internos. Como a entrada da Torre dos Francos estava trancada, sentei num dos degraus para iniciar a identificação das fotos. Ela fica numa altitude de 530 metros acima do nivel do mar e foi o lugar mais alto em que estive na visita do dia. Ao meio-dia e meia comecei a ouvir as trovoadas e a nuvem que as provocava era assustadora. Fiquei na dúvida entre aguardar sua passagem, aproveitando a proteção da construção e iniciar a descida, torcendo para chegar à cidade em tempo. Escolhi a opção mais arriscada e deixei a área de estacionamento pouco antes das 13:00 h. Apesar de a nuvem ter logo alcançado o sol parece que a parte central se deslocava para outro lado e consegui atingir a parte baixa sem sofrer nenhum pingo. Havia desistido de visitar o sitio arqueológico da cidade antiga porque achei que não ia dar tempo de conhecer a outra atração da região, o Canal. Com a ameaça da chuva reconsiderei e percebi que, em último caso, poderia me abrigar no museu. Isso implicava quase certamente desistir do Canal, que ficava a uma grande distância para o outro lado da estação de trem. Às 14:00 h iniciei a visita com as nuvens perigosamente próximas. A primeira ruína era a da Fonte de Glake, uma antiga pedreira convertida em cisterna. Em seguida surgiram as sete colunas em pé de um total de 26 do Templo de Apolo, o principal da cidade. Os pingos começaram a aumentar, dando sinal para entrada no museu. As salas exibem mármores, vasos, lanternas e objetos de uso pessoal e o tempo que gastei lendo as legendas foi suficiente para o término da garoa. O sol ameaçou voltar e quando conseguia era muito forte. Acho que vou ter que comprar outro boné pois esqueci o de Saint Martin em casa. Um dos grandes responsáveis pela propagação do cristianismo na bacia do Mediterrâneo foi São Paulo, que ficou mais de uma ano aqui divulgando a novidade e, acusado de prática contra os deuses, foi julgado num edifício perto da rua principal, segundo a tradição. Essa rua do tempo dos romanos estava presente em todo o império e seguia sempre na direção norte-sul. A daqui continuava por três quilômetros até o porto da cidade. Depois de uma hora e meia andando pelas ruínas peguei umas estradas vicinais para chegar no litoral. De lá segui paralelamente ao mar até o centro da cidade nova. Durante todo o longo percurso vim debatendo internamente se teria coragem de ir até o distante Canal ou voltaria direto para a ferroviária. Decidi arriscar mais uma vez. Era bem longe mas eu tinha cismado que teria que ver como ele é de perto. A entrada do lado do Golfo pode ser atravessada sobre uma ponte basculante que se encontra quase no nível da água. De acordo com o mapa eletrônico deveria haver uma trilha paralela ao canal. A dúvida era sobre a condição do terreno e o que eu percebi logo no inicio foi que ela era simples e, aparentemente, diminuiria a distância de volta em relação a retornar pela cidade como na ida. Pouco antes de começar a nova aventura perguntei ao responsável pela operação da ponte se havia expectativa de travessia de algum navio. Ele informou que o próximo deveria vir do outro extremo em mais ou menos 45 minutos. Talvez pudesse assistir a via em utilização e voltar para a estação ao mesmo tempo. Parei numa ponte que suportava tubulões e que oferecia uma bela visão do eventual tráfego. O prático puxava o navio com extrema lentidão e deu a impressão de ele ter batido nas paredes de rocha num momento. Teimei em aguardar e fiquei quase meia hora assistindo a aproximação. O problema foi que a segunda bateria também estava acabando e o celular desligou de vez bem na hora que a nave passava sob a ponte. Do jeito que o aparelho está velho vou ter que providenciar uma terceira alternativa para poder aproveitar o equipamento um dia inteiro. Já estava bem tarde e eu não tinha mais o meu guia, com o qual fiquei viciado. Tinha ideia do trajeto a seguir porém não estava absolutamente seguro. Fui acompanhado durante vários minutos por um vira-lata carente, que só queria brincar. Esse foi o terceiro da visita, bem mais agradável do que os que queriam me pegar. O deslocamento foi bastante demorado e só não entrei em desespero porque alguns sinais indicavam que estava no caminho correto. Primeiro pude visualizar a acrópole de Corinto ao longe, o que garantia que ia na direção certa. A última medida de distância que fiz pelo GPS indicava uma distância de mais de uma hora, o que também batia. Depois de muito andar a cidade nova ficou visível, em mais um bom indicador. Finalmente, no último quilômetro começaram a surgir placas que desfizeram qualquer incerteza. As luzes já começavam a acender, o que acontece apenas após as 20:30 h. Na bilheteria obtive a informação de que o próximo trem, que seria o último do dia, partiria em meia hora. Foi só aguardar. Um contratempo com o segundo comboio, que não trafegava mais nesse horário, me obrigou a fazer transferências para duas linhas de metrô e com isso só cheguei no hotel às 23:30 h. Com o corpo todo quebrado com os mais de 45 quilômetros de caminhada.