O ceu desimpedido permitiu acompanhar o longo trajeto da lua cheia pela frente da minha janela, desde as primeiras horas da madrugada até a manhã ensolarada. Também me deu coragem de sair sem o casaco para aproveitar o último dia em La Rochelle. Depois de passar pela entrada do Museu do Novo Mundo, cujo jardim traseiro era visível do meu quarto, entrei na Catedral de São Luís. O edifício era dos anos 1740 e ocupava o lugar da antiga igreja de São Bartolomeu. A cidade sempre teve simpatia pela Inglaterra, desde os tempos de Elenora de Aquitânia e dos Plantagenetas. Virou protestante e foi punida durante a Contra Reforma por longos cercos sob comando do Cardeal Richelieu. Talvez essa afinidade religiosa explique a simplicidade do templo, com poucas pinturas e sem muitos adornos. As capelas com as maquetes navais e telas com temas marinhos recordavam o perigo da travessia do Atlântico, no comércio triangular com a apreensão de escravos na África. Essas expedições me deixaram curioso e decidi entrar no museu pelo qual havia acabado de passar. Os ônibus de ligação com o porto estavam despejando centenas de turistas americanos na Praça da Catedral, como pássaros predadores sobre um campo de grãos. Desisti do museu, que achei muito caro. Li uma informação interessante na fachada do Oratório, explicando que ali foi realizada pelo cardeal Richelieu na presença de Luís XIII a primeira missa católica após o cerco final de 1627. Era neste edifício em que se batizavam e casavam os convertidos forçados, antes do embarque para a Nova França. Estavam preparando alguma forma de instalação no interior, que mais parecia uma quantidade de bancas de brechó. A organizadora não me deixou fotografar a construção gótica. A parada seguinte foi no Museu de História Natural, que não abria nas segundas-feiras. O Jardim de Plantas anexo, no entanto, permitia visitação. Segui para a calma Igreja de Nossa Senhora e a seguir para a Porta Real. Agora é apenas um parque, mas deu impressão de ter sido a localização de algum palácio, com fosso inclusive. Aa bordas voltadas para as calçadas apresentavam canteiros floridos com placas que eu imaginei serem ditos populares. Entrei no longo parque linear, que era meu objetivo do dia, pela extremidade mais distante do centro. Logo no início surgiram a piscina coberta e o ginásio, ambos de uso público. A ponta mais próxima do porto apresentava pequenos recintos aviários. Foi dolorido ver as aves exóticas de países quentes numa gaiola que não permitia grandes voos. Ligações com outros recantos arborizados à borda da entrada do porto, criavam uma extensa área de lazer. Em 1622 um conde puxa-saco, interessado em obter o governo de La Rochelle, decidiu erigir o Forte São Luís numa vasta área em direção ao mar. Era o prenúncio do grande cerco que aconteceria cinco anos mais tarde, empreendido por Luís XIII, sob comando do Cardeal Richelieu, que expropriaria a cidade de seus direitos e liberdade religiosa, aumentando o domínio católico. No caminho de volta me deparei com um casal ao lado de seu patinete elétrico sendo abordado por dois policiais de motocicleta. A conversa durou bastante tempo, e envolveu uma corrida pelo gramado de um terceiro elemento para falar com os guardas. Minha imaginação não foi suficiente para estabelecer um contexto, porém outro grupo de testemunhas indicava a direção seguida pelo que parecia ser um suspeito. Não poderia mais reclamar de falta de sol e de verão. A tarde foi maravilhosa. No final da visita reparei que nestes três dias em La Rochelle tenho participado de uma espécie de quebra-cabeças histórico, coletando pistas na forma de quadros informativos espalhados pela cidade. Mas apenas consegui completar um esboço muito geral. Talvez os quadrinhos que haviam me interessado no primeiro dia complemente algumas lacunas.
Verão sol