Estava meio entretido, tentando não pensar no frio e achava que fosse ouvir o chamado para o embarque no portão próximo. No entanto, depois de cansar de esperar, levantei para dar uma volta e percebi que as filas já estavam sendo formadas. Entrei na do meu grupo e logo estava abordando. Quarenta minutos antes da decolagem já estava sentado. O Airbus A380-800 é enorme e estava bastante cheio, porém as duas poltronas do meu lado ficaram vazias. Não sei o que aconteceu mas eles alteraram o assento que eu havia escolhido na reserva. Além disso, a nova fila ficava quase na entrada de uma das cozinhas, o que carregava bastante o ar com odores culinários e também era ponto de encontro de funcionárias conversadoras. Fiquei um pouco mais perto da asa do que gostaria mas ainda tinha alguma visão do exterior. Me assustei quando uma aeromoça comunicou à outra que pretendia transferir duas passageiras para as minhas poltronas. Contudo, após 15 minutos em que nada aconteceu, fiquei mais tranquilo e me estiquei na fileira de três. O serviço esteve excelente e as comissárias eram bastante simpáticas. Depois de uma hora de voo foi servido um café da manhã, representado por ovos mexidos com purê de batata e um pedacinho de frango à prova de faca. Após três horas de sono profundo, estirado na minha cama improvisada, e do primeiro breve passeio pelos corredores em que pude observar a escadaria traseira em caracol interditada por uma corda de veludo vermelho, foi a vez de ofertarem um pequeno lanche, constante de empanada, de cujo recheio a única parte identificável era o pimentão. Perto de 8:00 h, no horário de Brasília, o capitão estava cruzando a linha do Equador e entrando na África pela República dos Camarões, mais ou menos na metade da viagem de 12.500 km e 14 horas de duração. O segundo período de sono durou duas horas e pude, inclusive, manter os pés um pouco elevados, procedimento que, presumo, seja indicado após determinada idade, especialmente em travessia tão longa, usando como apoio o braço do banco mais próximo à janela, enquanto a careca ficava voltada para o corredor. As comunicações da cabine de comando eram feitas primeiramente em árabe, o que emprestava um ar de voo sequestrado ao percurso. O pessoal da cabine econômica usava inglês como forma de expressão, reforçando a ideia transmitida logo ao início de que a tripulação era composta por pessoas de 19 nacionalidades e falantes de igual número de línguas, inclusive o português. As mulhres usavam o chapéu e o véu somente para as boas-vindas e despedida. No curso das tarefas do voo descobriam os cabelos e a cabeça. Num dos intervalos uma das aeromoças se aproximou oferecendo uma barra de chocolate recheado com caramelo melado, dizendo em inglês que eu parecia precisar de alguma coisa doce. De fato, o conteúdo adocicado era tanto que tive dificuldade em comer tudo. Dentre os serviços disponibilizados pela companhia estava a conexão com a Internet por meio de rede wifi sem fio. Da primeira vez que tentei acessá-la a transmissão estava tão lenta que não foi possível nem chegar à página inicial de cadastro. Quando tomei conhecimento da existência do serviço imaginei que se tratasse de opção gratuita porém, com o surgimento da tela de registro, cogitei de haver necessidade de pagamento. Na segunda tentativa consegui passar à tela posterior mas não tive sucesso na sequência porque a mensagem informava que o país africano que estava sendo sobrevoado, que pensei ser o Sudão mas na realidade se tratava do vizinho Chade, não permitia a utilização da facilidade. Consultando a ajuda do sistema de entretenimento da poltrona, pude verificar que o país pelo qual passávamos no momento estava pintado de vermelho, indicando falta de autorização. Também pude ler sobre a dificuldade de conexão com os satélites e a necessária divisão do sinal entre todos os passageiros, o que praticamente demonstrou a inviabilidade da tecnologia no presente. Meia hora mais tarde o estado autoritário já havia ficado para trás e o mal-afamado e militarmente problemático Sudão permitia a ligação, que se mostrou surpreendentemente funcional. A página de registro disponibilizava uma conexão limitada gratuita que foi suficiente para enviar diversas versões do diário para o servidor. Logo, no entanto, perdi o sinal e não consegui verificar se a atualização de fato havia ocorrido. O plano reduzido era válido por duas horas e permitia a troca de pequena quantidade de informação mas parecia ser uma alternativa razoável em caso de emergência. E pagando apenas US$ 1,00 o limite poderia ser ampliado 50 vezes. Como havia grande quantidade de brasileiros no voo talvez nem todos estivessem familiarizados com a novidade tecnológica, liberando faixa para trabalho esporádico dos que conheciam a possibilidade. Durante meu período franqueado pude realizar vários acréscimos no texto, verificar e enviar mensagens e ler notícias. Foi uma brincadeira divertida que, embora não muito útil, possibilitou o contato com os recentes desenvolvimentos da informática. Antes das duas horas de franquia esgotei a capacidade de dados e não achei necessário pagar por acesso adicional. A janela atrapalhada pela asa não foi muito utilizada, já que o início e o final da viagem ocorreram no escuro. Além disso, no sobrevoo da África com dia claro, as nuvens não permitiam identificar detalhes do solo cinzento abaixo da aeronave. O passatempo do monitor de entretenimento possibilita uma viagem bem cheia. A quantidade absurda de filmes logo me deixou irritado, só de ler tanta sinopse. O que mais utilizei, no entanto, foram os aplicativos de localização e as câmeras externas, que relativizavam a necessidade de janela. Três horas antes do pouso foi servido o almoço com salada de atum, frango com purê e bolo de chocolate. A partir de meia hora antes do pouso o piloto ficou dando milhares de voltas esperando oportunidade para entrar na fila. A aterrisagem só aconteceu 25 minutos depois do horário marcado. Após atravessar as máquinas de raio-x e entrar na área de transferência perguntei a uma funcionária da Emirates que dirigia o fluxo para os voos de conexão, e para me assegurar mais uma vez, sobre a necessidade de cancelar o voucher para o hotel, já que havia decidido definitivamente não usá-lo. Novamente a resposta foi negativa. Deveria simplesmente ignorar a reserva. Como a viagem da manhã seguinte ainda não aparecia nos monitores não vi razão para pegar um dos trens internos que fazem o transporte entre os terminais e iniciei a procura por um lugar mais tranquilo para passar a noite na própria seção em que cheguei.