20/jun/25

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22/jun/25

Parecia que o hotel estava sofrendo de falta de hóspedes. Além do meu quarto só notei a ocupação do vizinho, usado por mãe e filha italianas com assuntos inesgotáveis, que desceram para o café da manhã no mesmo horário que eu e também saíram do albergue junto comigo. Reservei quatro noites em Nuoro, cidade no centro montanhoso da ilha e representante da cultura mais antiga do período nugárico, povo que ocupava a Sardenha desde 6000 anos a.C. Imaginei que pudesse conhecer a região em várias caminhadas mas, com tudo distante, os grandes desníveis e a falta de transporte público confiável e frequente, achava que teria uma temporada pouco frutífera. Logo num dos primeiros acionamentos do celular dei de cara com uma tela preta. Já familiar com o problema, entrei na configuração para ajustar o brilho. Deu para ver alguma coisa meio invisível, porém já havia decorado a posição da barra deslisável. Comecei subindo a ladeira para entrar no Parque da Colina de Santo Onofre. Obviamente, as vistas eram espetaculares. Antes do portão, passei pelo Museu Etnográfico, que seguia o horário estranho de fechar para a sesta. Ainda não estava aberto. Ao deixar o parque voltei para o centro e visitei a Catedral Santa Maria da Neve, que ficava ao lado do museu de arte que homenageava o artista Francesco Ciusa, nascido na cidade em 1883. Outra famosa filha de Nuoro, também do final do séc. XIX e início do XX, foi a escritora Grazia Deledda, que usou a paisagem natural da sua terra para descrever os sentimentos humanos. Sua tumba estava instalada na pequena capela Madona de La Solitudine, no início das trilhas do Monte Ortobene. Com a primeira parte da rota de terra atravessando a via pavimentada, achei melhor seguir pelo asfalto e evitar sobressaltos no caminho. Aos dois quilômetros de subida encontrei uma área de descanso com um cano pingando água fresca. Algum bom samaritano havia posicionado uma garrafa de dois litros escorada por pedras para coletar os pingos. Quando cheguei ela estava cheia e pude me servir. Seguindo em frente, após um mirante com vistas de tirar o fôlego, um estacionamento dava acesso ao início de uma trilha circular com mais água fresca brotando de um cano de borracha. Segundo o mapa informativo, levava a pontos muito bonitos e quase me convenceu. Cheguei a percorrer os cem primeiros metros, contudo a volta levaria uma hora para ser completada e eu ainda tinha um bom pedaço de montanha antes de retornar ao centro. Encher a garrafa novamente foi o suficiente para me satisfazer. Continuei ao longo de maravilhosas formações rochosas, sempre subindo, até chegar ao topo do Monte Ortobene. Lá encontrei a Capela Nossa Senhora do Monte, construída como pagamento da promessa pela salvação de um grupo de peregrinos que havia estado em Livorno no séc. XVII e foi pego por uma tempestade na volta. Além da Igreja, quartos foram edificados no mesmo prédio para abrigar devotos que vinham dar graças. Dentre estes, a prêmio Nobel de literatura de 1926, Grazia Deledda, em cuja cela havia um trecho de seus escritos. Depois da pequena Igreja São João Gualberto, continuei até a estátua em bronze do Cristo Redentor na altitude de 925 metros, apenas 30 abaixo do topo do Monte. Ela foi construída em Nápoles para comemorar o Jubileu de 1900, o primeiro da Itália unificada, quando o papa Leão XIII solicitou a criação de monumentos por todo o país. Após a travessia até a ilha, os pedaços foram levados ao local de montagem em carros de boi e a inauguração ocorreu em 1901. Com sete metros de altura, contando com o pedestal, ela apresenta o Cristo voltado para Nuoro, abençoando a cidade. Desde o começo do passeio, o celular avisava sobre a possibilidade de chuva a partir das 16:30 h. Eu comecei a descer os 400 metros de desnível uma hora antes, e além de poder ver as nuvens se acumulando e derramando água em alguns pontos nas montanhas, também ouvia o som dos trovões longínquos. O aviso não chegou a se comprovar e deu para visitar um supermercado antes de retornar ao hotel. Para quem não tinha muita espectativa, fiquei totalmente impressionado. Depois que decidi andar pelo asfalto em vez das trilhas, mais despreocupado, aproveitei bastante as vistas panorâmicas e formações rochosas deslumbrantes.