Está ficando cada vez mais difícil sair de manhã, apesar do sol. Hoje só tomei coragem às 10:00 h. Na dúvida sobre o que fazer imaginei um roteiro que passava por parques e ciclovias repetindo o passeio anterior mas caminhando para o outro lado da cidade e subúrbios. Comecei pelo canal próximo da estação, que descobri ser um espécie de continuação do Canal di Reno que conheci ontem. Caminhei pela trilha ao longo do Canal Navile por uns cinco ou seis quilômetros até as nuvens começarem a aparecer e uma interrupção para obras na rota surgir 500 metros depois da placa que a anunciava. Até cheguei a atravessar a barreira, seguindo o exemplo de uma corredora que acabava de me ultrapassar porém, após menos de uma centena de metros decidi retroceder, não por acato à orientação mas por ter lido em uma das placas que o canal seguia por 36 km até se juntar com o Rio Reno. Isso soava quase como caminhar até o original na Alemanha e eu não pretendia continuar andando a vida toda sem saber direito para onde. Na volta um italiano que consertava uma máquina começou a falar alguma coisa, obviamente se dirigindo a mim. Parei para ouvir a história de um motor e de duas fases e de três fases, conversa que não entenderia em italiano correto, talvez nem mesmo em português, que dizer contada nessa língua enrolada que eles usam. Voltei para a região central e passei a percorrer alguns dos quilômetros de avenidas que circundavam a parte histórica da cidade, admirando os restos de muralha que sobraram das demolições do início do século XX e as portas que permitiam o acesso à Grada, como os bolonheses apelidaram o centro velho. Havia passado pelos portões de Lame, San Felice, Saragozza e San Mamolo quando fiz um desvio para o centro, atravessando a Praça de São Domingos e sua igreja, observando ainda a pequena Estátua do Diabo, afixada no alto de uma esquina sob as arcadas. A intenção secreta era tentar conhecer o Teatro Anatômico utilizado na dissecação de cadáveres para aprendizado médico. Havia feito a tentativa no primeiro ou segunda dia em Bolonha mas estava procurando no lugar errado. Naquela oportunidade andava pela área da universidade porém o centro de estudos só mudou para lá no século XIX. Antes disso a primeira universidade europeia funcionava no Palazzo Archiginnasio, perto da Piazza Maggiore, no coração da cidade. O palácio pertencente à Igreja tinha uma decoração exuberante, com cada centímetro de parede coberto com brasões, pinturas ou memoriais fúnebres de professores e alunos que por lá passaram. O edifício abrigava uma Biblioteca fantástica além de permitir a visita a algumas das antigas salas de aula. As duas mais importantes eram a do Teatro Anatômico, toda forrada de painéis de madeira com estátuas dos antigos mestres e, pendurado no teto, o deus Apolo, que tinha como uma de suas atribuições a medicina. Uma arquibancada cercava a mesa de mármore onde eram realizadas as demonstrações aos estudantes. Na outra extremidade do prédio ficava a Aula Magna de Direito, chamada de Sala Stabat Mater, por ter sediado a primeira apresentação da obra homônima de Rossini. Como já estava ficando tarde e havia contemplado as demais portas do centro em oportunidade anterior iniciei a volta para o hotel.