Acordei diversas vezes desde as 6:30 h, sempre com o mesmo céu nublado olhando para a minha cara pela janela. A tentação era passar o dia na cama mas isso seria imperdoável. O planejamento original incluía caminhadas para fora do centro, por terreno aberto, envolvendo a visita ao aquário, ao Jardim Botânico e ao rochedo da Imperatriz, tudo para o lado mais amplo e florestal da baía. Uma pesquisa meteorológica me deixou um pouco mais animado, já que a chance de chuva não era tão grande. Apesar da visão assustadora, me preparei para sair às 10:00 h. Esqueci do clima e quase tive um ataque. Não encontrava o passaporte em lugar algum. Depois de procurar por todo lado lembrei das horas passadas na estação ontem, comendo e pensando nos próximos passos. Era o único lugar em que achava que poderia ter tirado o documento da posição em que ele sempre fica. Eu sou muito metódico em certas coisas, pelo menos quando a memória funciona. Desisti temporariamente da caminhada e subi em direção ao terminal de trens. Na lanchonete ninguém havia visto. O guichê de informações só abriria às 13:00 h. Resignado, sentei para aguardar. Foi quando reparei que o espaço de vendas de passagens já estava aberto. Falei com uma vendedora que disse ser necessário enviar um pedido pela internet. Ela insistia que eu não estava conectado, porém conseguia abrir qualquer página com a rede Wi-Fi gratuita. Quem me ajudou mais foi a recepcionista, que descobriu o site onde deveria colocar as informações e me auxiliou no processo, ao fim do qual foi gerada a menssagem de que receberia uma resposta em breve. Sem mais nada a fazer, fui sentar novamente para limpar a mente. Pelo que lembro, somente o passaporte estava na bolsinha peruana e ele não serve para nada, na prática. O dinheiro e cartões ficam no bolso. Dependendo do resultado da pesquisa, vou ter que descobrir uma representação do Brasil antes de sair da Europa. Depois de passar por tudo isso, começou a chover. O aviso de confirmação que recebi dizia que entrarão em contato em uma semana e continuarão procurando até 18/ago. Meio desesperado e sem a chuva me deixar sair, comecei a fazer pesquisas na internet. A única representação do Ministério das Relações Exteriores na França parece ser o Consulado Geral em Paris. É necessário enviar uma série de documentos eletronicamente e depois mostrá-los pessoalmente. Acho que é como tirar um novo passaporte, talvez com um pouco mais de rapidez por causa do voo de volta marcado. Meu caso não é de emergência. Não sei o que fazer com os documentos por que o único que trouxe está desaparecido. Lembrei então dos aplicativos do Detran e Justiça Eleitoral e consegui armazenar cópias da CNH e do Título no celular. Outro papel que a embaixada pede é o boletim de ocorrência emitido pela polícia francesa. Como a chuva já havia passado, lá fui eu em busca de uma delegacia. Nesse ponto fui auxiliado pelo aplicativo de mapas que listou as possibilidades. Fui para a mais próxima e tive que falar com a policial pelo interfone. Depois que ela não entendeu o que eu queria abriu a porta para falarmos frente a frente. Disse que eles não fazem o serviço que eu pedia e me mandou falar direto com a embaixada ou consulado. Muito útil informação. Saí após um simpático Au Revoir sem estar convencido. Fui para a segunda opção da lista, que ficava mais ou menos a um quilômetro de distância, também no centro. Esta era bem menor, com um impresso na porta dizendo que estavam na hora do almoço até 13:30 h. Como só faltava meia hora, fui andar pela redondeza, voltando no horário estipulado. Julguei que não teria oportunidade de contatar ninguém naquele lugar. Continuava fechado. De tão desanimado que estava iniciei o retorno para o hotel porém, a meio caminho, me dei conta de que a vida segue e que o sol vai voltar alguma hora. As nuvens não estavam tão ameaçadoras e eu decidi continuar o passeio interrompido. O aquário ficava a uns quatro quilômetros de onde eu estava, mas o percurso foi meio chato, por avenidas passando pelos armazéns do porto e galpões comerciais. Além disso não havia calçada muito bem definida e o melhor foi andar pelo estreita ciclovia que margeava as pistas. Cheguei ao outro extremo da baía, perto da foz do Rio Elon, atravessado por uma bela ponte estaiada. A ideia Inicial era caminhar até lá, onde existe um mirante, mas achei meio distante e vê-la de longe foi suficiente. Esta é área da grande marina de Brest e, pouco além e antes da ponte fica a praia do Moinho Branco. Vazia por motivos óbvios. No retorno passei pelo moderno aquário, já sem a intenção de entrar. Voltei para o hotel relembrando que havia esquecido de verificar atrás dos travesseiros quando revirei o quarto pela manhã. Não imagino o que o documento poderia estar fazendo escondido mas ninguém sabe até onde vai a loucura da senilidade. Quem sabe a camareira havia encontrado e ele estaria esperando por mim sobre a mesa. Dentre todas as possibilidades, não era uma das mais impossíveis. Claro que não estava. Comecei a tirar os itens do saco, como faço sempre antes de tomar banho e, surpresa das surpresas a bolsa peruana estava onde deveria estar. Não sabia que conhecia tantos palavrões. A sensação de incredulidade foi muito maior do que a de alívio. Já havia cogitado de desmarcar o hotel da última parada para chegar alguns dias mais cedo em Paris e poder tentar providenciar o que fosse necessário. Estava imaginando como fazer o pedido pela internet no Consulado. Apostava que, só por estar sem o documento, seria parado por um policial na rua, o que nunca acontece com ninguém. E continuava completamente inconformado. Fiquei pensando no que poderia extrair da experiência. Tomar mais cuidado? Bater a cabeça na parede? Parar de viajar? Mas não aconteceu nada! Como posso ser tão estúpido por passar o dia todo aventando possibilidades quando o fruto do meu problema estava sendo carregado nas minhas próprias costas durante todo o tempo? Não sabia se ria ou chorava, mas o alívio, inacreditavelmente, não aparecia. Porém, como a vida continua e o sol vai aparecer amanhã antes da próxima chuva, vai seguir tudo como até agora e eu ainda vou conhecer muitos lugares.