Saí de casa às 8:30 h com duas hipóteses conflitantes de roteiro. De qualquer forma, seguiria para a costa norte, minha região favorita da ilha. Após o trecho inicial de aproximadamente cinco quilômetros, teria a possibilidade de parar sobre os maravilhosos rochedos lisos da área das salinas e aproveitar o sol ou, o que era mais provável baseado na minha aversão em ficar parado torrando, de tentar continuar para os pontos de Gozo em que ainda não havia estado sem, no entanto, me enveredar por trilhas complicadas. Ao chegar ao litoral e como o sol ainda não estava muito quente, resolvi fazer uma combinação das duas opções, estendendo a toalha por meia hora enquanto descansava e me preparava para o trecho seguinte. Durante todo o caminho vim reparando num fato que não havia me chamado tanto a atenção até o momento. A ilha inteira era salpicada por muros de pedra, de diversas alturas, todos construídos da mesma forma, segundo um método que eu considerei extraordinário. Várias gerações de construtores malteses se encarregaram de separar suas propriedades usando o material mais abundante existente: a pedra. Séculos de experiência permitiram moldar a matéria prima para atender as necessidades dos agricultores, empilhando as pedras tão comuns, sem necessidade de argamassa para manter tudo junto. Está técnica construtiva vinha sendo utilizada desde o período neolítico nos templos gigantescos. A escala diminuiu e a reverência pelos antepassados não era mais tão significativa, porém as mesmas rochas antigas continuavam a ser transformadas em altares para divindades novas. O prazo determinado terminou e novas meias horas surgiram enquanto eu não encontrava a vontade de levantar. O sol suportável e a brisa suave não ajudavam a interromper o ócio. Às 12:30 h consegui tomar vergonha e me preparei para reiniciar a caminhada. No trajeto ao longo das salinas fui reparando nos rochedos de pedra que formam a base dos penhascos. É impressionante como são lisas estas faces. Parece que aplicaram massa corrida. Os caminhos já estavam começando a ficar familiares, o que indicava que o tempo na ilha estava se esgotando. Resolvi extrair até a última gota de energia para apreciar a máximo, sem causar dano aos membros responsáveis pela maioria dos deslocamentos. Após atravessar mais uma vez o belo balneário de Marsalforn, iniciei a forte subida para Xghara, de onde saía um acesso para a baía Ramla. Já estava bem no alto e tive que enfrentar uma enorme pirambeira para voltar ao nível do mar. A praia de areia vermelha estava cheia, mas a minha intenção era apenas dar uma rápida olhada. Várias ilhas do Mar Mediterrâneo disputam a localização de diversos pontos das narrativas antigas e isto ocorria aqui com a Gruta de Calipso. A ninfa manteve Ulisses, o herói homérico, preso por sete anos quando uma tempestade desviou seu navio durante a volta da Guerra de Tróia para casa na ilha grega de Ítaca. A esposa Penélope, tentando evitar as investidas dos pretendentes, ficou famosa com a história do tapete desmanchado durante a noite após tê-lo tecido enquanto era dia. Não vi nenhuma caverna, mas estes penhascos esburacados poderiam bem servir de motivo para a reivindicação do título. A descida fácil da ribanceira implicava em subida árdua no retorno. Enquanto escalava quase de quatro, duas francesas vinham em sentido contrário, com uma delas alegando pânico. O ataque parece ter merecido alguma compaixão do motorista que parou,
porque logo elas estavam aproveitando uma carona para chegar mais rápido. Fiquei me perguntando se o subterfúgio teria sucesso na volta. Eu já havia desistido da visita seguinte para a cidade de San Blas e iniciei o retorno às 15:30 h levando quase três horas para cumprir a rota litorânea. Talvez economizasse um pouco se optasse pelo caminho do interior que, além de já ter percorrido duas vezes, era bem mais enfadonho.