Da primeira vez que acordei, às 7:00 h, o céu estava azul. Já nas demais, a cada meia hora, só via nuvens. O dia estaria consagrado a passeios pela cidade, contudo pretendia inicialmente passar na estação para tentar equacionar as visitas ferroviárias a vilas da região. De alguma forma, as informações na tela das máquinas automáticas pareciam mais palpáveis. Mas não consegui sair da cama antes das 10:00 h. Comprei um cartão de desconto de 50% nas viagens por trens locais da região da Nova Aquitânia, a parte da França em que estava. Graças à dica do simpático comissário de ontem, começaria agora a economizar um bom dinheiro nos deslocamentos. Só torcia para a chuva não invalidar meu investimento. O terminal de Bordeaux era muito estranho. Basicamente um corredor paralelo aos trilhos, só descobri a bilheteria humana após perguntar. Ela ficava no canto mais extremo, num belo saguão, lotado como o resto das dependências. Aproveitei para atualizar as pequenas alterações feitas no diário de ontem após a transmissão. A internet continuava lenta. Não conseguia arranjar coragem para sair do terminal e enfrentar o tempo horroroso. Resolvi voltar para o hotel para me vestir direito. Os astros estavam provocando a minha preguiça. Além dos pingos no caminho para o alojamento, entrei num quarto arrumado, pronto para me acolher. Era tentação demais para voltar para debaixo das cobertas. Não chegava a uma decisão. Com a passagem da nuvem mais pesada, decidi tentar de novo, agora com medo de passar calor. Segui em direção às duas torres que podia ver da cama e cheguei numa igreja enorme, dedicada ao Sagrado Coração, apertada entre quatro ruas e ao lado de um parquinho com quadra de bocha para os marmanjos. Mesmo com o auxílio do mapa eletrônico, demorei para encontrar o centro. Só passava por ruas residenciais semi desertas. No início, a única coisa de mais atração, além da igreja, foi uma praça que chamavam de mini floresta. Depois me aproximei do rio, onde ficava o Conservatório e a Porta da Moeda, uma das entradas do centro histórico. Bordeaux era mais uma das paradas do Caminho de Santiago de Compostela. O Santo estava representado por uma escultura na grande Basílica de São Miguel. Os vitrais foram substituídos após a Guerra. Outra igreja deslumbrante apareceu mais à frente. A Catedral de Santo André, de nave única, parecia mais larga do que o normal. Uma das capelas em especial me chamou a atenção pelo colorido dos vitrais do séc. XIX. Cheguei à conclusão mais tarde de que a confusão que senti se referia à posição lateral da entrada principal com as duas torres, que ficava num dos braços curtos, o Transepto, enquanto na maioria das demais, o acesso era pela nave principal. A bonita construção da sinagoga, cercada para evitar o trânsito de veículos, prestava uma homenagem com fotos dos reféns na porta. Passei pela frente do Museu da Aquitânia, que gostaria de conhecer. Não sei se seria possível devido à quantidade de passeios ferroviários que pretendia fazer. Perto da Catedral me deparei com um comboio de veículos policiais, que imaginei estivessem num cortejo fúnebre para algum agente morto. Vizinhos à igreja mor de Bordeaux, ficavam o prédio da prefeitura, com um belo jardim fechado ao público, cercado pelas duas alas do Museu de Belas Artes, e o Tribunal de Justiça, sediado numa construção bastante intrigante. Os muros eram prolongamentos das torres e muralha do Forte de Hâ, restos da fortaleza original da cidade. Outro edifício que me chamou a atenção foi a morada do escritor Montaigne e sua família. As duas casas sofriam um grande processo de renovação. Mais uma curiosidade foi algo parecido com uma escultura simulando um carro caindo do estacionamento. Com certeza existiu um fato real para inspirar os idealizadores. Numa das calçadas que usei para o retorno, dei de cara com uma a multidão vindo no contra-fluxo. Não entendia de onde poderia estar saindo tanta gente, quando observei os policiais que haviam passado enfileirados pouco antes. Ali perto ficava a Praça da Vitória e uma concentração de pessoas protestava contra alguma coisa. Vi uma bandeira da Palestina e muitas das centrais sindicais. Não pude entender os gritos de guerra, porém os franceses estão sempre reclamando de alguma coisa. Depois do grande embaraço meteorológico da manhã, fiquei agradavelmente surpreso com a estabilidade do clima após o almoço. A última tarefa seria terminar a formatação dos arquivos para transmissão pela lenta rede do terminal de trens. Torcendo para não ter que sair, tentei mais uma vez o aplicativo no quarto. Sem resultado conforme esperado, no entanto. Não sei se era porque tinha menos movimento hoje, mas em 15 minutos tinha acabado de transmitir tudo e pude voltar ao quarto.