Às 7:15 h estava preparado para mais um dia na estrada, contudo, uma observação rápida do céu pelas quatro amplas janelas que iluminam o apartamento sugeria grande cautela. As grossas nuvens que chegavam por trás das montanhas indicavam que um temporal se avizinhava e, de fato, em menos de cinco minutos, o mundo estava desabando. Numa das oportunidades em que espiei por entre as cortinas pude até conhecer uma das pombas que fazem tanta algazarra no final da madrugada na minha vizinhança. Uma delas bebericava tranquilamente de uma das calhas sobre o telhado do meu quarto. Como de costume, 15 minutos após o início da tromba dágua o sol voltou a aparecer, mas tive que ficar de sobreaviso porque ainda havia muita nuvem espalhada. Repetindo a experiência de ontem saí pelo lado contrário, tentando evitar a monotonia do percurso pelo sentido anti-horário. Ao contrário do dia anterior passei pelas duas entradas de Maracaibo sem todavia contornar o morro ao longo do litoral, economizando 2.000 metros. Alguns quilômetros para a frente me aproximei do pequeno aeroporto que apenas recebe os pousos e decolagens de dois voos diários de San Andrés. Percebi que a quantidade de carros estacionados se devia à chegada iminente do teco-teco. Repetir o percurso de ontem permitiu ainda identificar a rota seguida pela trilha que sobe o El Pico. O trajeto ficava bem visível quando contemplado deste lado da ilha. Um pouco adiante resolvi fazer um breve desvio para me aproximar do mar e admirar o litoral da reserva natural. Quando chegava perto da água os latidos de três cachorros começaram a ficar mais insistentes e um deles teve a ousadia de arranhar meu tornozelo, apesar das pedradas da aparente dona que sentava numa moto próxima. Queria mostrar que tinha controle do espaço e poderia me estraçalhar se não me cuidasse. Os marcos quilométricos posicionados ao longo da via permitiram confirmar que a extensão da estrada perimetral soma 18 quilômetros, valor coerente com os aplicativos de contagem de passos, o GPS do mapa eletrônico e o tempo gasto nos deslocamentos. Pouco antes de fazer o desvio para a praia resolvi sentar num banco de abrigo para avaliar o movimento da grande quantidade de nuvens. Seria muito incômodo ser pego por um desses temporais torrenciais numa faixa de areia sem nenhuma proteção. Além disso havia lido no Google que o simples gotejar da água de chuva pingando de uma folha do arbusto do manzanillo era suficente para causar reações adversas na pele dos seres vivos. Contudo a observação do céu não clarificou em nada o rumo das nuvens e decidi enfrentar a travessia da pequena colina deixando para me preocupar com o aguaceiro se ele viesse. Às 10:00 h iniciei o último trecho de um quilômetro e meio pela estrada secundária. À medida que chegava ao destino percebi que ele coincidia com partes descobertas do céu e o movimento da cobertura parecia seguir em outra direção. Por 30 minutos pude relaxar com tranquilidade, até o vento enfileirar uma sequência de acinzentadas que certamente continham água. Não havia para onde correr e a única opção era ficar no lugar. Os pingos passaram rapidamente mas foram mais intensos do que eu imaginava. Até aquele momento o ar soprava do oceano para terra e podia ver o que estava a caminho. Como o espaço azul ia até quase o horizonte pude continuar por mais uma hora sem transtorno. No entanto, pouco depois do meio-dia o vento trocou de direção e não era mais possível prever o que vinha de trás da montanha. Consegui aguentar por mais uma hora, quando o acúmulo de nuvens, aliado à imprevisibilidade do futuro imediato tornaram-se insuportáveis e eu comecei a levantar acampamento. O susto mostrou ser apenas mais uma nuvem grande e sem ameaça, mas eu aproveitei a desculpa para encerrar o ócio no balneário. Na saída um casal de turistas me ofereceu carona em seu quadriciclo Kawasaki alugado. Agradeci e neguei a gentileza. A subida do morro foi ensolarada porém o resto do trajeto teve muita sombra. Parei às 14:00 h num banco em Água Doce, seis quilômetros antes da pousada, para adiantar um pedaço do texto e para descansar as pernas exaustas. Estava encarando esses férias como uma aclimatação para a Grécia e o resultado tem mostrado que vou ter alguma dificuldade com o calor mais forte, as distâncias maiores, as subidas mais altas e a duração de quase três meses. Vou ter que intercalar o exercício com prolongada inatividade e muito líquido. Pensei em entrar na sorveteria pouco antes do fim do trajeto mas lembrei da melequeira que causei ontem com o cone crocante com sabores de pêssego e coco. Achei melhor recusar a guloseima gordurosa dessa vez.