Finalmente juntei ânimo para realizar a aventura até a ponta mais próxima da ilha. Ela fica a uns 30 quilômetros do hotel enquanto a do outro lado está a quarenta quilômetros de distância. Cheguei no terminal das paradas rodoviárias com vinte minutos de antecedência e tive que aguardar algum tempo até que a perua encostasse. O veículo era menor, de apenas 28 lugares, o que não me agrada muito, mas aquela era a condição. Havia lugar para todos e a lotação foi variando ao longo do trajeto, depois dos cinco minutos de atraso na saída. Após descer num ponto que escolhi aleatoriamente, imaginando que estivesse na altura conveniente, foi que percebi que poderia ter continuado e evitado caminhada de três quilômetros adicionais porque a motorista virou justamente na rua que eu precisava seguir. A via que levava à trilha ainda tinha algumas residências e a população canina certamente levava vantagem em número bem maior que a humana. Todos faziam muito barulho mas estavam presos com correntes e atrás de grades a menos de um grupo que tentou mostrar valentia mas logo recuou. A estrada de terra que conduz a Oostpunt atravessa um parque enorme e o que imaginei ser uma floresta fechada era um campo aberto com muita vegetação desértica do tipo que tenho encontrado nos demais passeios. Era essencialmente plana e havia algumas poças de lama em processo avançado de secamento, o que permitiu a transposição tranquila pelas beiradas seguras. Em alguns trechos a mata avançava, estreitando a estrada e tornando inevitáveis os arranhões nos arbustos espinhudos. O maior inconveniente era o forte vento, que tem se intensificado desde ontem à tarde. Algumas rajadas mais repentinas ameaçavam carregar meu boné e no espaço descampado ao longo da lagoa que surgiu depois de dez quilômetros, já perto do término da trilha, tive que carregar o chapéu na mão. Mais algumas centenas de metros adiante surgiu o farol que demarca este final da ilha. Algum dia talvez tenha sido um farol. Agora parece apenas uma torre metálica enferrujada. As pedras que adentram o mar formam uma paisagem espetacular, enfurecidamente espancadas pelas águas turbulentas. A estrada que havia escolhido passava pelo interior, bem na metade entre as duas costas. Para retornar resolvi percorrer um caminho mais paralelo ao litoral nordeste. Apesar na maior proximidade a água ainda estava distante e a única forma de chegar até a costa era desviando da trilha, o que fiz em duas situações. Na primeira não houve nenhuma novidade além do mar agitado. O segundo desvio foi bem mais interessante, levando até a formação Boka Kokolishi. O local é espetacular mas somente para observar. Os rochedos descem ao nível do oceano definindo degraus constantemente cobertos e desvendados pela variação da maré. A combinação da força da água com o intenso vento causava uma espécie de aspersão deliciosa de gotículas salgadas e refrescantes por toda a redondeza. Pena que um lugar tão bonito estivesse tão coberto de lixo plástico. Talvez seja essa a razão do nome Kokolishi. A dificuldade ficou por conta do retorno à via de terra que estava seguindo. A sequência de arbustos espinhentos entre a estrada e o litoral era bastante fechada, formando um muro quase intransponível. Na entrada encontrei uma passagem facilmente. A volta, contudo, foi bem mais complicada e, depois de diversas tentativas infrutíferas, optei por me agachar num túnel que me ralou e espetou os ombros e costas. A grande baía de Sint Joris separa a região em que estava e a área das caminhadas de dias anteriores e isso implicava num contorno grande para ultrapassar o acidente geográfico. Mas o susto maior veio pouco adiante. Podia observar no final da trilha uma construção no meio do caminho, que impedia a continuação. Enquanto pensava em que providência tomar, reparei no vaqueiro que abria a porteira. Pensando que se tratava de uma gentileza segui a pequena distância para perguntar se ele estava permitindo minha passagem. No entanto, o que ele queria era saber como eu estava ali e de onde vinha. As explicações não resultaram em satisfação e ele insistia que toda a região era propriedade privada. Argumentei que não havia visto nada que indicasse essa situação e, talvez por pena, ele resolveu me franquear o cruzamento do rancho. A rua que tinha inicio do outro lado estava repleta de placas proibindo a circulação. Aparentemente o que achei que fosse uma área do governo de Curaçao tem vários donos porém achava isso improvável por não ter percebido nenhuma cerca, portão ou letreiro. Achei a história mal contada e, usando a internet do hotel no fim do dia, que continua ótima, por sinal, descobri que existe uma briga entre conservacionistas, querendo proteger os corais e recifes e as empresas interessadas em um negócio imobiliário. O que mais me incomodou foi a forma como o cowboy informou que talvez estivesse correndo risco por andar onde não devia, com um tom meio de ameaça. Por outro lado, ele foi simpático o suficiente para não me obrigar a acrescentar alguns quilômetros extras ao já longo roteiro.