Ao acordar fui recepcionado pelo sol banhando o quarto. A vista do restaurante no último andar proporcionou uma compreensão maior da composição desta parte da ilha. Ficou clara a separação entre Valeta, a fortificação inicial do séc. XVI e Floriana, edificada no séc. XVIII para incrementar a segurança da ponta vital da península contra ataques vindos do interior.
No terraço, contudo, pude notar a quantidade de nuvens que encobria o céu. Segundo a previsão, a possibilidade de chuva era muito baixa, num dia em que eu já havia marcado um compromisso com grande antecedência. Enquanto preparava a viagem em casa tomei conhecimento de um cemitério anterior em alguns milênios à era cristã e que sofria de uma fragilidade muito grande, necessitando de rígido controle ambiental. Para tanto, as visitas deviam ser agendadas com antecipação, já que o passeio de uma hora acompanhado de guia admitia apenas poucos integrantes. Na época não me entendi com o site de reservas e demorei um pouco para aprender seu funcionamento. Paguei adiantado por cartão um bilhete que não poderia ser reembolsado. Algum tempo depois, não sei se por ter mais experiência ou se as páginas estavam mais eficientes, verifiquei novamente a visita e reparei que a entrada que havia comprado poderia ter sido adquirida para idoso, com valor reduzido para quase metade do original pago. Tarde demais. De qualquer forma, o dia havia chegado e o GPS calculava pouco mais de uma hora para atingir a atração a pé. Após selecionar o dia, o site solicitava o horário desejado e eu havia escolhido 11:00 h, dentre as sete ou oito possibilidades. Com prazo confortável, saí do hotel às 9:00 h, lembrando de levar o calçado de lona fechado da Havaianas especialmente comprado para atender a exigência da instituição que gerencia os monumentos históricos de Malta. Não entendia qual malefício poderia causar o chinelo, mas eram as regras. O aplicativo se mostrou, mais uma vez, uma tábua de salvação. Foi graças a ele que pude perceber diversas vezes que ia para o lado errado e pude consertar a rota. Também foi ele que me permitiu alcançar o atrativo meia hora antes do prazo. Ao chegar na recepção fui informado de que o procedimento de admissão se daria cinco minutos antes do início. Dei uma rápida volta pelas redondezas, entrando na Basílica Cristo Rei e retornei mais cedo, na vã esperança de encontrar uma tomada para a bateria já fraca. Aproveitei para perguntar, sem muita expectativa, sobre a possibilidade de reaver o valor extra pago pelo ingresso normal. A resposta do italiano falador foi que pessoalmente, naquele momento, não poderia fazer nada, porém que deveria considerar o envio de uma mensagem posteriormente ao serviço de reservas apresentando a solicitação. Propositadamente mantive o chinelo para ver se haveria alguma reclamação. Não houve e acho que nem perceberam, ou não se importaram. Foi mais uma despesa desnecessária, como temia. Os visitantes foram solicitados a armazenar todos os pertences em armários, inclusive, e principalmente, as câmeras. Um guia em áudio foi distribuído para cada um dos dez participantes. Dois vídeos foram apresentados inicialmente, com informações gerais da cultura que criou as tumbas mais de 5000 anos atrás. O passeio conduzia os turistas pelos três lances de escadas permitindo a visualização dos diversos nichos e detalhes esculpidos nas pedras. Aparentemente a função do necrotério era simplesmente se desfazer dos mortos, que eram empilhados em covas comuns, eventualmente com algum tipo de ritual. O que impressionava os estudiosos era o detalhamento arquitetônico do monumento criado com instrumentos que ainda não incluíam o ferro. Além, claro, da imensa quantidade de esqueletos com mais de um metro de profundidade. Com ferramentas de pedra os habitantes do período neolítico esculpiram o solo poroso em três níveis, criando espaços para os sepultamentos e depósito de oferendas, confeccionando inúmeros detalhes artísticos talhados nas paredes e pinturas adornando as abóbadas. O complexo foi descoberto em 1902 quando um morador realizava escavações para ampliar sua cisterna. Desde então o recinto foi se deteriorando rapidamente com o acesso público, o que obrigou as autoridades a tomarem providências que terminaram com a incorporação do local ao Patrimônio Cultural da UNESCO em 1980. Deixei para adquirir os títulos históricos e artísticos interessantes apenas no final da viagem a fim de evitar carregar peso morto. Fui alertado pelos guias a respeito da existência de um sítio arqueológico nas imediações, onde podiam ser apreciados alguns templos de idades um pouco mais recentes. Em 1915, com base nas reclamações dos agricultores de que seus campos estavam muito empedrados, foram encontrados os quatro templos construídos a partir de 3000 anos antes da era cristã. Formados por pedras de grandes proporções, os recintos da Idade do Bronze apresentavam semelhanças arquitetônicas com o Hypogeo, permitindo que os cientistas fizessem pesquisas cruzadas entre os dois locais, chegando a conclusões quanto ao fechamento superior perdidos nos templos, porém conservados abaixo da superfície. Como ficavam nas proximidades, pretendia visitar as Três Cidades, locais escolhidos inicialmente pelos Cavaleiros da Ordem assim que se mudaram para a ilha e que foram os alvos do cerco dos otomanos em 1565. Havia bastante tempo para a visita, porém não poderia registrá-la com a pouca carga que restava no celular. Além das fotos e vídeos, precisava do aparelho para contabilizar os quilômetros caminhados e digitar os textos relevantes. Primeiramente imaginei que poderia encontrar tomadas em alguma igreja, como em Roma, mas desisti da ideia por ser esperançosa demais. Retomei o caminho da ida com poucas variações e cheguei no quarto às 16:00 h.