Saí um pouco mais cedo, sem café. Mais uma vez, quase me desviei no meio do caminho para conhecer a Basílica de Santo Estêvão. Estava me dirigindo para a bilheteria para comprar o ingresso de velho, quando lembrei do objetivo inicial do dia. Ainda tinha dez minutos para atravessar o rio e subir a colina antes da abertura do Museu às 10:00 h. O Castelo de Buda teve o início de sua construção como consequência das invasões mongóis em 1241. Iniciei a visita pelo subsolo, onde as exposições relatavam o uso da água, através da captação no rio ou em nascentes das colinas circundantes, armazenamento em cisternas e transporte por canalização em tubos de chumbo para uso nos aposentos, fontes e jardinagem. Uma animação ilustrava todo o processo, desde a captação, passando pelo transporte e utilização nas quatro fontes conhecidas na fortificação, porém desaparecidas. Algumas das esculturas que as adornavam, seguindo o estilo renascentista importado da Itália, foram transportadas para Istanbul após a invasão do Sultão Suleimão em 1526. As fontes foram encomendadas pelos reis Sigismundo e Matias entre 1350 e 1450 seguindo o feitio italiano, uma delas inclusive criada pelo ateliê de Verrocchio, professor de Da Vinci. Os salões do Palácio do Rei Matias eram pavimentados com cerâmica maiólica, uma técnica trazida do Oriente através da Itália. Os batentes das portas e as lareiras eram produzidos com mármore vermelho. Para seus serviços o rei contratou o arquiteto italiano Antonio Bonfini, cujos trabalhos foram desenvolvidos no final do séc. XV. A dinastia Árpád do séc XIII costumava usar várias residências reais e foi apenas o rei Carlos I, da dinastia de Anjou que se fixou num local apenas. Inicialmente Visegrád e depois em Buda, a partir dos anos 1300. Em 1526 Suleimão capturou e arrasou o Palácio e em 1541 os otomanos passaram a governar a Hungria até a liberação em 1686, com ajuda dos aliados europeus. O rei Matias era um grande colecionador de livros e a Biblioteca Corvina continha cópias de manuscritos encomendadas por ele, assim como títulos gregos e romanos, tratados religiosos e filosóficos, e uma importante contribuição para a astrologia através do convite a várias autoridades no tema que lexionavam em universidades do exterior. As paredes da biblioteca eram decoradas com desenhos de constelações, o teto de uma das salas continha o mapa natal do governante e outro representava a carta estelar na data da sua eleição como rei da Boêmia. Uma das preciosidades do Museu estava conservada na sala das figuras góticas. Em 1974, escavações arqueológicas no que se supõe ter sido um ateliê de artesãos desvendou milhares de peças descartadas e fragmentos que poderiam ser contemporâneos do Rei Sigismundo, executadas por volta do final do séc XV. Talvez até entalhadas por artesãos franceses, uma vez que o rei foi mediador na guerra dos Cem Anos entre Inglaterra e França, e era um admirador da cultura francesa. Além das figuras em pedra inacabadas, uma sala climatizada armazenava alguns pedaços de tecido em seda e calçados em couro da mesma época. Por sorte, tive o bom-senso de guardar no bolso o carregar sobressalente porque, depois de mais de três horas circulando pelos diversos andares, a bateria do celular já estava acabando. O saco com os pertences de uso diário, que sempre carregava comigo, havia sido guardado num armário devido à proibição de andar com mochilas pelas dependências da instituição. Depois da expulsão dos otomanos em 1686 a cidade estava arrasada e nova onda de construções foi iniciada. Em 1769 ficou pronto o Palácio Barroco, planejado para residência da Rainha Maria Teresa, que nunca mostrou interesse em viver ali. Ela apenas passou uma temporada e então cedeu o uso do edifício para as Irmãs de Loreto e, posteriormente, para a universidade transferida da Eslováquia. Todas estas mudanças de uso exigiram alterações da construção, realizadas pelo arquiteto real, que transformou a cúpula existente em observatório astronômico. Para não ficar em dívida com os súditos húngaros ela transferiu a relíquia de Santo Estêvão, a mão direita mumificada que estava em Ragusa (Dubróvinik) para a Capela Real recém edificada. Outra joia do palácio era o Salão de Santo Estêvão, cujo ingresso havia adquirido conjuntamente com o principal e especificava o horário para entrada que, inadvertidamente, não percebi. Apenas quando apresentei o bilhete na entrada fiquei sabendo da restrição e que deveria ter chegado quatro horas antes, enquanto visitava despreocupadamente outras dependências do castelo. Contudo o local não estava muito cheio e pude entrar normalmente. A sala de decoração exuberante foi honrada com o Grande Prêmio da Feira Universal de Paris de 1900. O estrago causado pela guerra em 1945 foi total e a restauração havia sido completada poucos anos atrás. O primeiro andar inteiro era dedicado à história de Budapeste, Aquincum para os romanos do sec. I antes de Cristo, explicada em quase vinte quadros de textos longos e extremamente interessantes. Todavia a visita já durava mais de cinco horas e não pude dedicar a atenção e tranquilidade necessárias para apreciar todas as informações. Apenas este andar mereceria outra visita. Para compensar comprei um livro caro na lojinha que, aparentemente, tinha os mesmos textos. Mas ainda tinha mais. Uma exibição completa sobre os planos de reconstrução do palácio na virada do séc. XIX para o XX, levada a cabo pelo arquiteto Alajos Hauszmann, o ganhador do prêmio francês. Não lembro de ter visto nenhuma menção ao Império austro-húngaro. Talvez não seja um tema confortável para a Hungria.