Apesar da manhã nublada e chuvosa arranjei coragem para sair do quarto antes das 8:00h. O plano era seguir para o lado do aeroporto na outra margem ilha, a costa nordeste. Pretendia conhecer algumas das poucas praias daquela parte mais selvagem do litoral. A saída da cidade se deu pelas vias que já estão se tornando familiares do bairro de Punda. Após duas horas andando por ruas e ruelas, pacatas ou movimentadas, empoçadas e enlameadas, sob um céu apresentando algumas aberturas, teve início o trecho rústico pela estrada de terra, demarcado na entrada por grandes poças quase intransponíveis. Imaginei que pudesse ser um sinal mas segui em frente. Para minha surpresa logo surgiu o asfalto novamente. Não havia começado o pedaço rural, afinal. Fiz um rápido desvio para ter visão melhor da Casa do Governador e na volta para o caminho principal uma caminhonete surgiu do terreno baldio vizinho e estacionou do meu lado. O pensamento óbvio foi que se tratava de seguranças que me observaram em atividade ilegal. Já estava preparado para apagar as fotos quando o motorista, um dos dois passageiros encorpados, perguntou qual era meu destino e ofereceu carona na caçamba. Recusei a gentileza e continuei sozinho. Pelos relatos que havia lido na internet achei que o acesso seria bem mais inóspito. Ao contrário, a larga estrada asfaltada que atravessa a região de floresta tinha condições melhores do que muita rua por que tenho andado no centro. A costa norte é pouco desenvolvida por causa do vento forte, mar agitado e falta de praias. No entanto é muito mais tranquila e andar ao longo do solo rochoso admirando as formações e cavernas com teto desmoronado foi fascinante, apesar da falta de sol. A praia de Kanoa é frequentada por surfistas, sendo o local da ilha mais apropriado para a prática do equilíbrio sobre as ondas. A continuação da rota seguia por terra ao longo de mais seis quilômetros e levava para o que eu achei fossem duas praias. Na verdade são entradas do oceano em baías pacientemente escavadas pelas águas. A primeira foi Boka Labadera, que até tem um pouco de areia na beira do mar. O trecho de trilha que fazia ligação com Boka Grandi estava completamente tomado por lodaçais. Deu para me desviar da maioria. Mas na que atravessava toda a largura do caminho o jeito foi enfiar o pé na meleca. O esperto só lembrou de tirar o chinelo depois que ficou entalado. O pé saiu fácil mas a borracha parecia cimentada. Passei bom tempo tentado usar a poça seguinte para um bom propósito, tentando lavar os quilos extras de terra encharcada colados no calçado. Ao chegar na segunda enseada sentei numa pedra bem na ponta para apreciar a paisagem e escrever um pouco quando comecei a sentir um tremor. Achei melhor voltar mais para o interior, saindo de perto da borda. Provavelmente era só a musculatura fatigada contudo poderia estar parado em cima de um teto de caverna pronto para ruir. O surgimento de um sol mais convicto me fez desistir do retorno imediato e continuar até a angra seguinte, a Boka Tabla. Foi a que mais me agradou dentre as três, tanto por seu maior isolamento quanto pela existência de muitas pedras forrando a pequena praia. O inconveniente era a quantidade de lixo plástico e metálico na beira da água. Antes de voltar pretendia subir num morro identificado no mapa como mirante. Adiante fica a baía Sint Joris e imaginei que a vista do alto seria muito bonita. Contudo, mal dei alguns passos na íngreme e estreita trilha da subida e levei o primeiro escorregão acompanhado da escoriação correspondente. Foi o suficiente para rever o plano e adiar a visita para quando o cansaço estivesse menor. Já estava caminhando por sete horas e faltavam 16 quilômetros para chegar no hotel, distância que percorri no tempo que havia inicialmente calculado de três horas. Como o passeio do dia foi todo na parte mais isolada, vi poucos aventureiros. Apenas três grupos fazendo safari motorizado e os vários surfistas da praia Kanoa. No mais eramos eu, os pássaros e as lagartixas gigantes. Entrei no quarto às 17:30 h com a intenção de me livrar dos vestígios de lama.